Uma startup dos EUA planeja fornecer “luz solar sob demanda” após o anoitecer. Isso pode funcionar – e nós realmente queremos isso?

Uma nova constelação de satélites pode criar luz solar sob demanda? SpaceX/Flickr, CC BY-ND

Uma constelação de satélites proposta tem deixado os astrônomos muito preocupados. Diferente dos satélites que refletem a luz solar e produzem poluição luminosa como subproduto indesejado, os satélites da startup americana Reflect Orbital produziriam poluição luminosa de forma intencional.

A empresa promete produzir “luz solar sob demanda” com espelhos que direcionam a luz solar para a Terra, permitindo que fazendas solares operem após o pôr do sol.

Ela planeja começar com um satélite de teste de 18 metros chamado Earendil-1, cuja autorização de lançamento está prevista para 2026. Posteriormente, seriam lançados cerca de 4.000 satélites em órbita até 2030, de acordo com os relatórios mais recentes.

Mas quão grave seria a poluição luminosa? E, talvez mais importante, os satélites da Reflect Orbital realmente funcionariam como prometido?

Refletindo a luz solar

Luz solar refletida em um relógio.
A luz solar pode ser refletida de um relógio de pulso para produzir um ponto de luz. M. Brown

Da mesma forma que é possível refletir a luz solar de um relógio para criar um ponto de luz, os satélites da Reflect Orbital usariam espelhos para direcionar a luz para uma região da Terra.

Mas a escala envolvida é imensamente maior. Os satélites da Reflect Orbital orbitariam a cerca de 625 km de altitude e, eventualmente, teriam espelhos com 54 metros de diâmetro.

Quando você reflete a luz do relógio em uma parede próxima, o ponto de luz pode ser muito brilhante. Mas, se refletir em uma parede distante, o ponto se torna maior – e mais fraco.

Isso ocorre porque o Sol não é um ponto de luz, mas ocupa meio grau de ângulo no céu. Isso significa que, a grandes distâncias, um feixe de luz solar refletido por um espelho plano se espalha com esse mesmo ângulo de meio grau.

O que isso significa na prática? Se um satélite refletir a luz solar a uma distância de cerca de 800 km – já que um satélite a 625 km de altitude nem sempre estará diretamente acima –, a área iluminada teria pelo menos 7 km de diâmetro.

Mesmo um espelho curvo ou lente não conseguiria concentrar essa luz em um ponto menor, devido à distância e ao ângulo do Sol.

Essa luz refletida seria intensa ou fraca? Bem, para um único satélite de 54 metros, ela seria 15.000 vezes mais fraca que a luz solar do meio-dia – mas ainda muito mais brilhante que a lua cheia.

Imagem artística da espaçonave LightSail 2 da The Planetary Society.
Refletores de Mylar podem ser abertos em órbita. Josh Spradling/The Planetary Society, CC BY

O teste do balão

No ano passado, o fundador da Reflect Orbital, Ben Nowack, postou um vídeo resumindo um teste com “a última etapa antes de ir para o espaço”. Tratava-se de um refletor levado por um balão de ar quente.

No teste, um espelho plano e quadrado de aproximadamente 2,5 metros direciona um feixe de luz para painéis solares e sensores. Em uma das medições, a equipe registrou 516 watts por metro quadrado quando o balão estava a uma distância de 242 metros.

Para comparação, o Sol ao meio-dia produz cerca de 1.000 watts por metro quadrado. Portanto, 516 watts por metro quadrado representam cerca da metade, o que já é útil.

No entanto, se escalarmos o teste do balão para o espaço, como mencionado, a 800 km de distância o refletor precisaria medir 6,5 km por 6,5 km – ou 42 km². Construir um refletor tão grande não é viável, então o teste com balão tem suas limitações.


Então, o que a Reflect Orbital planeja fazer?

O plano da Reflect Orbital é “satélites simples na constelação certa, iluminando fazendas solares existentes”. O objetivo é atingir apenas 200 watts por metro quadrado – 20% da luz solar do meio-dia.

Satélites menores conseguiriam isso? Se um único satélite de 54 metros é 15.000 vezes mais fraco que o Sol do meio-dia, seriam necessários 3.000 deles para alcançar 20% dessa intensidade. Isso é muito satélite para iluminar uma única região.

Outro problema: satélites a 625 km de altitude viajam a 7,5 km por segundo. Assim, cada um ficaria a até 1.000 km de uma região por apenas 3,5 minutos.

Portanto, 3.000 satélites dariam apenas alguns minutos de iluminação. Para fornecer uma hora, seriam necessários milhares a mais.

A Reflect Orbital não carece de ambição. Em uma entrevista, Nowack sugeriu o lançamento de 250.000 satélites em órbitas de 600 km. Isso é mais do que todos os satélites catalogados e grandes pedaços de lixo espacial existentes juntos.

Mesmo assim, essa vasta constelação forneceria apenas 20% da luz solar do meio-dia a, no máximo, 80 locais ao mesmo tempo, com base nos cálculos acima. Na prática, ainda menos devido à cobertura de nuvens.

Além disso, dado o ângulo orbital, esses satélites só poderiam iluminar regiões próximas ao amanhecer ou entardecer, quando os espelhos em órbita baixa ainda estão sob a luz solar. Por isso, a Reflect Orbital planeja posicionar sua constelação acima da linha dia-noite, em órbitas sincronizadas com o Sol, para mantê-los constantemente iluminados.

Lançamento de um foguete SpaceX Falcon 9.
Foguetes mais baratos possibilitaram o envio de constelações de satélites. SpaceX/Flickr, CC BY-NC

Luzes brilhantes

Então, os satélites espelhados seriam um meio prático de gerar energia solar noturna acessível? Provavelmente não. Mas poderiam causar poluição luminosa devastadora? Com certeza.

No início da noite, não demora para ver satélites e detritos espaciais – e eles nem são projetados para serem brilhantes. Com o plano da Reflect Orbital, mesmo que apenas o satélite de teste funcione, ele às vezes será mais brilhante que a lua cheia.

Uma constelação de espelhos como essa seria desastrosa para a astronomia – e perigosa para os astrônomos. Para quem olha através de um telescópio, a superfície de cada espelho poderia ser quase tão brilhante quanto o Sol, com risco de danos permanentes à visão.

A poluição luminosa prejudicaria a observação do cosmos e afetaria também o ritmo biológico de diversos animais.

Embora a Reflect Orbital pretenda iluminar locais específicos, os feixes dos satélites também cruzariam a Terra ao se mover de um ponto a outro, fazendo o céu noturno piscar com luzes mais brilhantes que a Lua.

A empresa não respondeu ao The Conversation dentro do prazo sobre essas preocupações. Contudo, disse à Bloomberg esta semana que pretende redirecionar a luz solar de forma “breve, previsível e direcionada”, evitando observatórios e compartilhando a posição dos satélites para que os cientistas possam planejar seus trabalhos.

As consequências seriam terríveis

Resta saber se o projeto da Reflect Orbital realmente decolará. A empresa pode até lançar um satélite de teste, mas há um longo caminho até colocar 250.000 espelhos gigantes em órbita ao redor da Terra para manter algumas fazendas solares funcionando por algumas horas extras por dia.

Ainda assim, é um projeto a ser observado. As consequências de seu sucesso para os astrônomos – e para qualquer pessoa que goste de um céu noturno escuro – seriam desastrosas.



O número de satélites visíveis à noite aumentou drasticamente.

Michael J. I. Brown, Professor Associado de Astronomia, Universidade Monash e Matthew Kenworthy, Professor Associado de Astronomia, Universidade de Leiden

Este artigo foi republicado do The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.

Anterior Próxima

نموذج الاتصال